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Foto do escritorLudmila Ribeiro de Mello

ENTENDENDO “NIKETCHE – UMA HISTÓRIA DE POLIGAMIA” (PAULINA CHIZIANE)

Quem é Paulina Chiziane? (1955 -  )

 

Paulina Chiziane é uma escritora moçambicana cujas obras retratam o universo feminino no país do qual escreve. Na juventude, atuou na Frente de Libertação de Moçambique durante a Guerra de Independência, e só publicou seu primeiro romance — Balada de amor ao vento — em 1990.

 

“[...] nós somos o que somos porque viemos de algum lugar. Eu sou esta mulher preta ou negra, Bantu, que cresceu no período colonial e pronto. Eu tenho a primeira influência cultural a partir da minha tradição Bantu à volta da fogueira, esta fogueira que me acompanha a vida inteira e que, até hoje, com calor de 40 graus está lá. A fogueira para mim é uma magia, me transmite qualquer coisa da minha ancestralidade e me transporta até à transcendência. Então, eu venho desse lugar, entrei na cultura portuguesa e a primeira grande influência nesse meio foi a Florbela [Espanca] e, do Brasil, uma das mulheres que me encanta é a Clarice Lispector.” (Paulina em entrevista à Literafro, 2021 - UFMG)

 

 

Niketche: do que se trata esta obra?

 

          “O que aconteceu, na verdade, eu estava na Zambeze, eu vivia lá, eu estava no segundo andar e de repente vejo uma confusão na rua, mulheres brigando, gente xingando uma outra, e eu fiquei atenta. O que está aqui a acontecer? Muito bem, são três mulheres discutindo na porta da casa do meu vizinho, e eu liguei para o vizinho e disse: – Olha, meu vizinho, eu não sei o que se passa, mas parece que a sua casa está a ser assaltada. – Vou aí rapidamente. E ele foi. E quando chega, ele encontra a esposa e as duas amigas ou amantes, ou sei lá, discutindo entre si, lutando por causa dele. E ele não faz mais nada, senão dar passos de retaguarda e desaparecer. Fugiu, o rapaz fugiu. Fiquei furiosa, zanguei-me com o vizinho e fiquei uns meses sem lhe dirigir a palavra. Até que um dia eu lhe disse: – Não, o que aconteceu? Pronto, trocamos confissões. E quando eu dei por mim, eu já estava a escrever aqueles palavrões que eu ouvi daquelas mulheres. E o livro começou assim. Ah, mas foi uma coisa tão… pronto, interessante. Mulheres lutando pelo mesmo homem e o homem fugindo dos seus atos. E veio assim o livro que é hoje o mais lido.” (Paulina explicando o livro em entrevista à Literafro - UFMG)

 

 

 

Niketche – uma história de poligamia – Sinopse

 

A personagem-narradora é Rami, esposa de Tony. Ela acaba por descobrir que o marido tem relacionamentos com outras mulheres, algo comum na sociedade moçambicana recente. Então, Rami decide conhecer cada uma delas.

Começa por Julieta e depois com Luísa, com as quais acaba se desentendendo e brigando a princípio, mas que depois se tornam amigas.

Já unidas, conhecem a quarta esposa, Saly e Mauá, a quinta.

Rami opta então por aceitar a poligamia do marido, abrindo-se também para outros casos amorosos.

         A princípio, Tony não gosta da ideia de suas mulheres unidas, mas resolve tirar proveito da situação fazendo uma escala conjugal.

Mas então Tony é, supostamente, atropelado e morre. Rami tem um relacionamento sexual com Levy, o irmão do marido, o que é considerado normal dentro da tradição do país.

No entanto, o suposto cadáver de Tony estava desfigurado, e logo descobre-se que o marido de Rami está vivo. Assim, ao voltar para casa, ele descobre que seu irmão é mais um integrante daquela “dança do amor”, a niketche.

 

O que observar na obra?

 

A questão do ‘feminismo’ é a principal característica desta obra.  Pauline faz questão de escrever a partir de um ponto de vista feminino indo contra à tradição de seu país. E não só isso, ela questiona as tradições patriarcais, a poligamia masculina enquanto sua personagem principal constrói a própria identidade.

 

“É, vou ser franca, cada um dos meus livros foi uma luta. Sobretudo, em Moçambique. Alguns me disseram, de forma aberta: “– Paulina, não traga feminismos para a literatura moçambicana. Olha, que a literatura é um espaço nobre, e tu estás a trazer os teus feminismos”. Bem, no momento não liguei muito, continuei a trabalhar.  [...] lembro-me de alguns angolanos e lembro-me também de alguns outros africanos que disseram: “– Mas a Paulina agora está a trazer feminismos na literatura, o que é isso? O que é isso? O que é isso?” Quando percebem o sucesso que é o mundo do feminino, começaram todos a escrever sobre o feminino. É, acho que isso ficou visível porque um livro que fala das mulheres com toda a profundidade é o Niketche. E a partir daí os escritores moçambicanos, angolanos, guineenses também começam a escrever sobre o feminino. ‘Bem, o sucesso do seu Niketche é esta descoberta do feminino’. Portanto, esse mundo que era proibido, que era... cujas palavras eram todas proibidas, de repente, começa a sair, e afinal de contas as mulheres têm muita coisa para dizer.” (Paulina em entrevista à Literafro - UFMG)

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