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ENTENDENDO “OLHOS D’ÁGUA” (CONCEIÇÃO EVARISTO)

Quem é Conceição Evaristo?

         

          Maria da Conceição Evaristo de Brito, professora, pesquisadora e escritora, nasceu em Belo Horizonte em 1946. Migrou para o Rio de Janeiro na década de 1970 onde se graduou em Letras pela UFRJ e trabalhou como professora da rede pública de ensino. É Mestre em Literatura Brasileira pela PUC do Rio de Janeiro e Doutora em Literatura Comparada na Universidade Federal Fluminense. Seus trabalhos acadêmicos versam sobre a questão do afro-brasileiro. Estreou na literatura em 1990, quando passou a publicar seus contos e poemas na série Cadernos Negros. Reconhecida hoje mundialmente pela sua escrita e pela luta pela valorização da cultura negra no Brasil.

Saiba mais sobre ela por ela mesma em:

 

Contexto histórico-literário: Olhos D’ água

 

          Conceição Evaristo é uma autora contemporânea, que ainda publica, sendo, portanto, enquadrada no que chamamos de pós-modernismo. Seus textos são escritos com base no que ela mesma chama de “escrevivência”, ou seja, surgem de uma escrita que nasce do cotidiano, das lembranças, da experiência de vida da própria autora e do seu povo. Segundo C. Evaristo, “a maior parte dos personagens são justamente homens, mulheres, crianças que têm essa experiência de serem afro-brasileiros e que, uma literatura canônica, quando nos representa, nos representa ainda de uma forma muito estereotipada ou animalizada”. A autora é também conhecida por sua escrita que beira à prosa poética, uma mistura de poesia e narrativa, em uma linguagem fluida, marcada por recortes de lembranças.

 

 

“Olhos D’água” (2014) – sinopse

 

          Este livro é uma coletânea de 15 contos nos quais ela mistura a “ternura” da poesia com a prosa de denúncia (violência, racismo, preconceito), apresentando-nos uma prosa-poética que discute e apresenta a questão do negro no Brasil, através da sua própria experiência de vida, o que apresentamos antes como a “escrevivência”.

Os nove primeiros contos são protagonizados por mulheres, que, apesar das adversidades, conseguem manter o controle sobre suas próprias vidas; os quatro contos seguintes apresentam protagonistas masculinos que, ao se marginalizarem, morrem violentamente.  No penúltimo conto, chamado “A gente combinamos de não morrer”, o leitor encontra uma multiplicidade de vozes.  Já na última narrativa, a autora retoma a trajetória das personagens femininas em busca de uma vida melhor. Nesse conto, o nascimento da menina Ayoluwa, chamada de “a alegria do nosso povo”, traz esperança de volta à comunidade, mas sem que essa feche os olhos para as dificuldades que ainda precisarão ser enfrentadas.

 

 

Temática dos contos:

 

Apresentação contida no próprio livro: “Em Olhos d’água, Conceição Evaristo ajusta o foco de seu interesse na população afro-brasileira abordando, sem meias palavras, a pobreza e a violência urbana que a acometem. Sem sentimentalismos, mas sempre incorporando a tessitura poética à ficção, seus contos apresentam uma significativa galeria de mulheres: Ana Davenga, a mendiga Duzu-Querença, Natalina, Luamanda, Cida, a menina Zaíta. Ou serão todas a mesma mulher, captada e recriada no caleidoscópio da literatura em variados instantâneos da vida? Elas diferem em idade e em conjunturas de experiências, mas compartilham da mesma vida de ferro, equilibrando-se na “frágil vara” que, lemos no conto “O Cooper de Cida”, é a “corda bamba do tempo”. Em Olhos d’água, estão presentes mães, muitas mães. E também filhas, avós, amantes, homens e mulheres – todos evocados em seus vínculos e dilemas sociais, sexuais, existenciais, numa pluralidade e vulnerabilidade que constituem a humana condição. Sem quaisquer idealizações, são aqui recriadas com firmeza e talento as duras condições enfrentadas pela comunidade afro-brasileira.”

 

Olhos d’água: memória, ancestralidade africana, fome, pobreza, busca pela mãe e pela própria identidade.

Ana Davenga: amor e morte; crime organizado; ação policial; pobreza do morro; solidariedade no crime.

Duzu-Querença: prostituição, mendicância, violência, assassinato, brutalidade, exploração.

Maria: assalto, crime, pobreza, fome, linchamento.

Quantos filhos Natalina teve? : maternidade, violência, “barriga de aluguel”, estupro, assassinato.

Beijo na face: adultério, homoerotismo, violência psicológica, busca do amor e da felicidade.

Luamanda: amor, sexo, violência sexual, homoerotismo e libertação sexual.

O cooper da Cida: vida de migrante, crítica à velocidade dos grandes centros urbanos, aprendizado, autoconhecimento.

Zaíta esqueceu de guardar os brinquedos: tráfico; pobreza; violência; morro; assassinato; crianças em situação precária.

Di Lixão: pobreza, violência, menor abandonado, morte em desamparo.

Lumbiá: pobreza, violência, trabalho infantil, morte.

Os amores de Kimbá: desigualdade social, suicídio coletivo, homoerotismo, triângulo amoroso, problemas estruturais, oposição entre favela e classe média.

Ei, Ardoca: dificuldades, tentativa de suicídio, presença do subúrbio, assalto.

A gente combinamos de não morrer: favela, guerra do tráfico, maternidade, violência, morte, ficção (novela) versus realidade.

Ayoluwa, a alegria do nosso povo: comunidade negra, crise, ancestralidade africana, maternidade, esperança.

 

O que esperar da prova da Unicamp?

 

Pergunta-se: Sobre a obra Olhos d’água, de Conceição Evaristo, é incorreto afirmar:

a)    A falta de solidariedade da voz narradora com o que narra expressa-se pelo que a autora declara como uma deliberada recusa ao sentimentalismo, em um mundo igualitário, de oportunidades abertas a todos.

b)    As personagens principais quase sempre são femininas, velhas, moças, crianças, quase todas negras e pobres.

c)     Por mais que dor e sofrimento pontuem as histórias, há também em todas elas uma vontade forte, uma consciência que desperta, um aprendizado dos extremos da vida e da morte.

d)    Para registrar histórias como as dos homens e mulheres, a autora compõe uma voz narradora forte e envolvente. Alguns Ys e Ks, ao lado dos nomes de muitas personagens, conferem ao livro a marca da mestiçagem de nossa cultura.

e)    Em várias das histórias, imaginação e fantasia temperam um cotidiano de carências e ausências, em figuras como nuvens, algodão-doce, uma festa de aniversário.

 

Incorreta (a) – O mundo não é igualitário, mas sim extremamente desigual. Tampouco há falta de solidariedade por parte dos narradores.

 

Leia o trecho da reportagem:

“Mulher espancada após boatos em rede social morre no Guarujá, SP (...)

A dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, morreu na manhã desta segunda-feira (5), dois dias após ter sido espancada por dezenas de moradores do Guarujá, no litoral de São Paulo. Segundo a família, ela foi agredida a partir de um boato gerado por uma página em uma rede social (...)”

(G1, Santos, 05/05/2014. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/ 2014/05/mulher-espancada-apos-boatos-em-rede-social[1]morre-em-guaruja-sp.html. Acessado em 04/07/2023.)

Assinale o trecho de um dos contos a seguir – extraídos de EVARISTO, Conceição. Olhos d’Água. Rio de Janeiro: Pallas; Fundação Biblioteca Nacional, 2016 –, trecho este que relaciona o acontecimento da reportagem ao texto de ficção:

 

a) “Os mais velhos, acumulados de tanto sofrimento,

olhavam para trás e do passado nada reconheciam no

presente. Suas lutas, seu fazer e saber, tudo parecia ter

se perdido no tempo (...) Deram de clamar pela morte.

E a todo instante eles partiam” (p. 112).

 

b) “Vi só lágrimas e lágrimas. Entretanto, ela sorria feliz.

Mas eram tantas lágrimas, que eu me perguntei se

minha mãe tinha olhos ou rios caudalosos sobre a face.

E só então compreendi. Minha mãe trazia, serenamente

em si, águas correntezas (...). Águas de Mamãe

Oxum!” (p. 18-19).

 

c) “Os assaltantes desceram rápido. Maria olhou saudosa

e desesperada para o primeiro. (...) Alguém gritou que

aquela puta safada lá da frente conhecia os assaltantes

(...). A primeira voz, a que acordou a coragem de todos,

(...) levantou e se encaminhou em direção à Maria (...)”

(p. 41-42).

 

d) “Nos últimos tempos na favela, os tiroteios aconteciam

com frequência e a qualquer hora. Os componentes dos

grupos rivais brigavam para garantir seus espaços e

freguesias. Havia ainda o confronto constante com os

policiais que invadiam a área” (p. 76).

 

Correta (c) - A notícia desse jornal faz inequívoca referência ao conto Maria, cuja protagonista, como ocorre no texto da imprensa, é linchada por ser erradamente tida, pelos passageiros, como cúmplice do assaltante, o pai de um de seus filhos, que tinha conversado com ela, antes de começar o assalto, sobre assuntos pessoais. Depreende-se desse teste o conceito de “escrevivência” que é o núcleo das narrativas de Olhos D’Água.

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