Contexto histórico-literário: Modernismo brasileiro
No Brasil, o termo Modernismo envolve aspectos ligados ao movimento, propriamente dito, à estética e ao período histórico. Desde o início do século, a literatura tradicional, acadêmica e elitizante se mantém ao lado de tendências renovadoras, representadas por escritores como Euclides da Cunha, Monteiro Lobato e Lima Barreto. Com o passar do tempo, a busca pelo novo e as tentativas de renovação da arte brasileira se multiplicam com a promoção de exposições de pintura, esculturas modernas e artigos nos jornais, dedicados às tendências vanguardistas europeias.
Na Europa, essa vanguarda tem como marca o avanço tecnológico e científico do início do século XX. Nesse período, o cotidiano das pessoas sofre uma verdadeira revolução com a supervalorização do progresso e da máquina. O capitalismo entra em crise, dando início à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), encerrando a chamada belle époque. A seguir, a crise financeira, oriunda do conflito, leva à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e nos anos intermediários, conhecidos como "os anos loucos", as pessoas passam a conviver com a incerteza e com o desejo de viver somente o presente. Tais experiências despertam o anseio de interpretar e expressar a realidade de forma diferenciada, dando origem aos movimentos da vanguarda europeia.
Três datas (1922,1930 e 1945) marcam as diferentes fases desse movimento, iniciado com a Semana de Arte Moderna.
CARACTERÍSTICAS DO MOVIMENTO ARTÍSTICO
O Modernismo tem como característica unificadora o desejo de liberdade de criação e expressão, aliados aos ideais nacionalistas, visando, sobretudo, emancipar-se da dependência europeia. Esse anseio de independência inclui: o vocabulário, a sintaxe, a escolha de temas e a maneira de ver o mundo. Ao rejeitarem os padrões estilísticos portugueses, seus criadores cobrem de humor, ironia e paródia as manifestações modernistas, passando a utilizar as expressões coloquiais, próximas do falar brasileiro, promovendo a valorização diferenciada do léxico.
O mais importante é a atualidade, por isso centram o fazer literário na expressão da vida cotidiana, descrita com palavras do dia-a-dia, afastando-se da literatura tradicional, consagrada ao padrão culto.
Os modernistas revelam o nacionalismo, através da etnografia e do folclore. O índio e o mestiço passam a ser considerados por sua "força criadora", capaz de provocar "a transformação da nossa sensibilidade, desvirtuada em literatura pela obsessão da moda europeia". Cantam, igualmente, a civilização industrial, destacando: a máquina, a metrópole mecanizada, o cinema e tudo que está marcado pela velocidade, aspecto preponderante no modo de vida da nova sociedade. Ao comporem o perfil psicológico do homem moderno, expõem angústias e infantilidades como forma de demonstrar o caráter e a complexidade do ser humano, apoiando-se, para tanto, na psicanálise, no surrealismo e na antropologia.
Poesia da segunda fase modernista - Nesta fase construtiva predomina a prosa, enquanto a poesia se apresenta de forma mais amadurecida. Não precisa mais ser irreverente e experimentalista, nem chocar o público; agora familiarizado com a nova maneira de expressão. As influências de Mário e Oswald de Andrade estão presentes na produção poética pós Semana de Arte Moderna. Os novos poetas dão continuidade à pesquisa estética anterior, mantendo o verso livre e a poesia sintética. No caso de Cecília Meireles, sua sinestesia e seus temas introspectivos a aproximaram de um neossimbolismo, típico da tradição portuguesa. Os temas como solidão, perdas, tristeza e efemeridade da vida confirmam sua inclinação ao Simbolismo tardio.
A poetisa – Cecília Meireles (1901-1964)
Cecília Benevides de Carvalho Meireles nasceu no Rio de Janeiro no dia 7 de novembro de 1901. Perdeu o pai e a mãe muito pequena sendo então criada por sua avó materna, a portuguesa Jacinta Garcia Benevides. As outras perdas que sofreria ao longo da vida são presença marcante em seus poemas sobre a efemeridade da vida, a solidão e a tristeza. Além de professora e jornalista, Cecília viria a se tornar um dos grandes nomes da poesia modernista brasileira e gostava de se intitular poetisa, assim, no feminino.
A obra Romanceiro da Inconfidência (1953)
Romanceiro é um gênero medieval que consiste em um poema narrativo com assunto histórico de caráter popular.
Romanceiro da Inconfidência é composto por 85 romances, permeados de falas e descrição de cenários que transportam os leitores à Vila Rica (Ouro Preto) do século 18 em meio a uma espécie de manifestação do narrador que, por vezes, se dirige aos personagens. Esses romances contam a história da Inconfidência Mineira apresentando-nos uma visão do mártir (para os republicanos) e do inconfidente (para a coroa portuguesa) Tiradentes.
Para escrever a obra, a autora dedicou longos dez anos de sua vida a pesquisar os fatos históricos em questão e também os poetas envolvidos na revolta, principalmente, Tomás Antônio Gonzaga, de quem também se apropriou, por vezes, do estilo.
A história narrada é dividida em “Cenários”, obedecendo à ordem cronológica dos acontecimentos.
Primeiro Cenário: desenrolar da febre do ouro na região da Minas Gerais: busca enlouquecida pelo metal, o contrabando, escravos na mineração, a insatisfação popular com o controle da coroa. Essa primeira parte da narrativa se encerra com o nascimento de Tiradentes (1746).
Segundo Cenário: é a cidade de Vila Rica, hoje Ouro Preto: a vida bucólica e a poesia dos árcades versus a rebelião que surgia entre os colonos. Surge a dicotomia entre o herói Tiradentes e o traidor, Joaquim Silvério dos Reis.
Terceiro Cenário: os desdobramentos da Inconfidência para seus participantes (prisão, exílio, morte), destacando a relação de Gonzaga com Maria Joaquina, a Marília de seus poemas: ele se casa no exílio africano, enquanto ela sofre em terras brasileiras.
Quarto Cenário: apresenta as atitudes das autoridades portuguesas responsáveis pela punição dos revoltosos. A obra termina com uma homenagem aos rebeldes (“Fala aos inconfidentes mortos”).
Análise
Segundo a professora Norma Seltzer Goldstein, “quando lemos Romanceiro da Inconfidência, percebemos um diálogo com três épocas: a época da autora, que escreve em meados do século 20, a época dos fatos relatados, em meados do século 18, e a era medieval, que é o berço do gênero romanceiro, um relato popular em versos”, ainda, segunda a estudiosa, há a época do leitor, em pleno século 21. Assim, o que temos são várias leituras de um mesmo episódio histórico e de seus heróis (Tiradentes) e vilões (Coroa e Joaquim Silvério dos Reis) criando a ideia de que a história tem várias facetas e, normalmente, a que lemos nos livros oficiais é a criada pelos vencedores, no caso, a Coroa Portuguesa. Isso é um ponto importante a ser explorada pela prova de vestibular: a figura histórica de Tiradentes e suas versões; a importância de Tomás Antônio Gonzaga e de outras figuras mítico históricas.
Outro ponto a ser questionado é a questão da forma: romanceiro. De caráter popular e medieval, ele normalmente é formado por redondilhas maiores e menores (nem sempre isso é cumprido por Cecília).
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