Quem foi Drummond (1902-1987)?
Considerado pela maioria dos críticos como o maior poeta brasileiro, Carlos Drummond de Andrade nasceu na pequena cidade de Itabira em Minas Gerais, cresceu em Belo Horizonte indo depois morar no Rio de Janeiro. Desta forma, pôde escrever sobre as contradições entre a cidade grande e o interior. Drummond foi poeta, farmacêutico, contista e cronista, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX e o mais importante da segunda geração do Modernismo local, embora sua obra não se restrinja apenas às formas e temáticas desse momento do movimento.
Contexto histórico-literário: Modernismo brasileiro
No Brasil, o termo Modernismo envolve aspectos ligados ao movimento, propriamente dito, à estética e ao período histórico. Desde o início do século, a literatura tradicional, acadêmica e elitizante se mantém ao lado de tendências renovadoras, representadas por escritores como Euclides da Cunha, Monteiro Lobato e Lima Barreto. Com o passar do tempo, a busca pelo novo e as tentativas de renovação da arte brasileira se multiplicam com a promoção de exposições de pintura, esculturas modernas e artigos nos jornais, dedicados às tendências vanguardistas europeias.
Na Europa, essa vanguarda tem como marca o avanço tecnológico e científico do início do século XX. Nesse período, o cotidiano das pessoas sofre uma verdadeira revolução com a supervalorização do progresso e da máquina. O capitalismo entra em crise, dando início à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), encerrando a chamada belle époque. A seguir, a crise financeira, oriunda do conflito, leva à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e nos anos intermediários, conhecidos como "os anos loucos", as pessoas passam a conviver com a incerteza e com o desejo de viver somente o presente. Tais experiências despertam o anseio de interpretar e expressar a realidade de forma diferenciada, dando origem aos movimentos da vanguarda europeia.
Os mais importantes foram: o futurismo, liderado pelo italiano Marinetti, exalta a velocidade e a máquina; o cubismo, oriundo da pintura, fraciona a realidade, remontando-a, a seguir, por meio de planos geométricos superpostos; o dadaísmo, com seu líder Tristan Tzara, nega totalmente a lógica, a coerência e a cultura, como forma de oposição ao absurdo da guerra. Tzara toma o termo dadá, que não significa nada, e o aplica à arte que produz, afirmando não reconhecer nenhuma teoria e declarando a morte da beleza; o surrealismo, lançado em 1924, por André Breton, com o Manifesto do Surrealismo, prega o apego à fantasia, ao sonho e à loucura, além da utilização da escrita automática em que o artista, provocado pelo impulso, registra tudo o que lhe vem à mente, sem preocupação com a lógica.
Essa vanguarda passa a exercer influência sobre os artistas e intelectuais brasileiros. Dessa forma, vão surgindo obras de autores jovens que, descontentes com a tradição acadêmica e parnasiana, demonstram que a literatura brasileira está sofrendo um processo dinâmico de transformação. Três datas (1922,1930 e 1945) marcam as diferentes fases desse movimento, iniciado com a Semana de Arte Moderna.
CARACTERÍSTICAS DO MOVIMENTO ARTÍSTICO
O Modernismo tem como característica unificadora o desejo de liberdade de criação e expressão, aliados aos ideais nacionalistas, visando, sobretudo, emancipar-se da dependência europeia. Esse anseio de independência inclui: o vocabulário, a sintaxe, a escolha de temas e a maneira de ver o mundo. Ao rejeitarem os padrões estilísticos portugueses, seus criadores cobrem de humor, ironia e paródia as manifestações modernistas, passando a utilizar as expressões coloquiais, próximas do falar brasileiro, promovendo a valorização diferenciada do léxico.
O mais importante é a atualidade, por isso centram o fazer literário na expressão da vida cotidiana, descrita com palavras do dia-a-dia, afastando-se da literatura tradicional, consagrada ao padrão culto.
Os modernistas revelam o nacionalismo, através da etnografia e do folclore. O índio e o mestiço passam a ser considerados por sua "força criadora", capaz de provocar "a transformação da nossa sensibilidade, desvirtuada em literatura pela obsessão da moda europeia". Cantam, igualmente, a civilização industrial, destacando: a máquina, a metrópole mecanizada, o cinema e tudo que está marcado pela velocidade, aspecto preponderante no modo de vida da nova sociedade. Ao comporem o perfil psicológico do homem moderno, expõem angústias e infantilidades como forma de demonstrar o caráter e a complexidade do ser humano, apoiando-se, para tanto, na psicanálise, no surrealismo e na antropologia.
Poesia da segunda fase modernista - Nesta fase construtiva predomina a prosa, enquanto a poesia se apresenta de forma mais amadurecida. Não precisa mais ser irreverente e experimentalista, nem chocar o público; agora familiarizado com a nova maneira de expressão. As influências de Mário e Oswald de Andrade estão presentes na produção poética pós Semana de Arte Moderna. Os novos poetas dão continuidade à pesquisa estética anterior, mantendo o verso livre e a poesia sintética.
A nova técnica está marcada pelo questionamento mais vigoroso da realidade, acompanhada da indagação do poeta sobre seu fazer literário e sua interpretação sobre o estar-no-mundo. Consequentemente, surge uma poesia mais madura e politizada, comprometida com as profundas transformações sociais enfrentadas pelo país.
“Alguma poesia” (1930)
Dedicado a Mário de Andrade, Alguma Poesia é um corpo composto de 49 poemas, escritos entre 1925 e 1930 e selecionados criteriosamente por Drummond.
Os temas dessa obra são vastos e empreendem desde questões existenciais, como o sentido da vida e da morte, passando por questões cotidianas, familiares e políticas, dialogando sempre com correntes tradicionais e contemporâneas de sua época. As características formais e estilísticas de sua obra também são vastas, destacando-se, por vezes, o dialeto mineiro. Segundo o poeta Mário de Andrade, ‘‘Alguma Poesia é uma surpresa agradável que talvez reanime os nossos intelectuais. No livro, diga-se de passagem, a emoção, por mais profunda, não se descontrola em derramamentos líricos. Podendo viver, portanto, sem excessos – clara e forte, como nasceu. Na verdade, é essa, inatamente, a mais humana das feições poéticas.’’
Os poemas do livro são:
1. Poema de Sete Faces
2. Infância
3. Casamento do Céu e do Inferno
4. Também Já fui Brasileiro
5. Construção
6. Toada do Amor
7. Europa, França e Bahia
8. Lanterna Mágica
9. A Rua Diferente
10. Lagoa
11. Cantiga de Viúvo
12. O que Fizeram do Natal
13. Política Literária
14. Sentimental
15. No Meio do Caminho
16. Igreja
17. Poema que Aconteceu
18. Esperteza
19. Política
20. Poema do Jornal
21. Sweet Home
22. Nota Social
23. Coração Numeroso
24. Poesia
25. Festa no Brejo
26. Jardim da Praça da Liberdade
27. Cidadezinha Qualquer
28. Fuga
29. Sinal de Apito
30. Papai Noel às Avessas
31. Quadrilha
32. Família
33. O Sobrevivente
34. Moça e Soldado
35. Anedota Búlgara
36. Música
37. Cota Zero
38. Iniciação Amorosa
39. Balada do Amor através das Idades
40. Cabaré Mineiro
41. Quero me Casar
42. Epigrama para Emílio Moura
43. Sociedade
44. Elegia do Rei de Sião
45. Sesta
46. Outubro 1930
47. Explicação
48. Romaria
49. Poema da Purificação
Obs: o livro não está em domínio público, mas é possível baixar cada um dos poemas independentemente.
Como pode aparecer no vestibular?
1. (UEMA)
A obra Alguma poesia, publicada em 1930, marca a estreia de um dos mais emblemáticos escritores da literatura brasileira, Carlos Drummond de Andrade. O poema que segue integra a referida obra e serve como base para a questão proposta.
Também já fui brasileiro
Eu também já fui brasileiro
Moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
E aprendi nas mesas dos bares
Que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
E todas as virtudes se negam.
Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para uma mulher,
Pensava logo nas estrelas
E outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
Minha poesia perturbou-se.
Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isto, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
Meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
Satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
Não sou irônico mais não,
Não tenho mais ritmo mais não.
Fonte: ANDRADE, Carlos Drummond de. Alguma poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
A construção poética de "Também já fui brasileiro" reflete o(a)
A) Negação dos valores proclamados pela arte moderna no Brasil.
B) Violação dos padrões poéticos estabelecidos no Brasil até o Modernismo.
C) Distanciamento da poesia brasileira da arte poética dos ritmos e das virtudes.
D) Retomada da rítmica clássica no ato de construção proposta pelo Romantismo.
E) Rompimento com as ideias nacionalistas, procurando uma arte poética anti-brasileira.
2. UEMA
Leia o poema a seguir extraído da obra Alguma poesia, de Carlos Drummond de Andrade, em que o autor descreve o cotidiano familiar.
Família
Três meninos e duas meninas,
Sendo uma ainda de colo.
A cozinheira preta, a copeira mulata,
O papagaio, o gato, o cachorro,
As galinhas gordas no palmo de horta
E a mulher que trata de tudo.
A espreguiçadeira, a cama, a gangorra,
O cigarro, o trabalho, a reza,
A goiabada na sobremesa de domingo,
O palito nos dentes contentes,
O gramofone rouco toda noite
E a mulher que trata de tudo.
O agiota, o leiteiro, o turco,
O médico uma vez por mês,
O bilhete todas as semanas
Branco! mas a esperança sempre verde.
A mulher que trata de tudo
E a felicidade.
Fonte: ANDRADE, Carlos Drummond de. Alguma poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
Considerando os aspectos linguísticos no referido texto, verifica-se que,
A) Em “o médico uma vez por mês” (ref. 1), o vocábulo destacado classifica-se como artigo por acrescentar uma noção particular ao substantivo a que está associado.
B) No verso “e a mulher que trata de tudo”, há uma oração que pode ser substituída pelo adjetivo tratante, sem provocar alteração no sentido do texto.
C) No segundo verso “sendo uma ainda de colo.”, a forma verbal introduz uma explicação que caracteriza o cotidiano familiar.
D) Do ponto de vista semântico, utilizou-se um processo de enumeração, ao longo do poema, no qual predomina uma classe de palavras cuja função primordial é designar.
E) No verso “o bilhete todas as semanas” (ref. 2), “todas” está adverbializado pela presença do artigo.
3. Fuvest
Chega!
Meus olhos brasileiros se fecham saudosos.
Minha boca procura a "Canção do Exílio".
Como era mesmo a "Canção do Exílio"?
Eu tão esquecido de minha terra...
Ai terra que tem palmeiras
Onde canta o sabiá!
(Carlos Drummond de Andrade, "Europa, França e Bahia", ALGUMA POESIA)
Neste excerto, a citação e a presença de trechos.............. constituem um caso de..............
Os espaços pontilhados da frase acima deverão ser preenchidos, respectivamente, com o que está em:
A) Do famoso poema de Álvares de Azevedo / discurso indireto.
B) Da conhecida canção de Noel Rosa / paródia.
C) Do célebre poema de Gonçalves Dias/ intertextualidade.
D) Da célebre composição de Villa-Lobos/ ironia.
E) Do famoso poema de Mário de Andrade / metalinguagem.
GABARITO:
1. B
2. D
3. C
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